Páginas

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Meu reino encantado

Ao relembrar minha infância, alegria se mistura com uma tristeza indefinida. Nunca houve infelicidade lá, possivelmente seja saudade de quem não se tem mais, porque sou feliz em todas etapas da vida. Meu reino encantado foi a infância, fase cheia de alegria, onde sonhos e recordações não existiam. Trilhar igual trajeto para o hoje parece que o melhor passou. Morávamos numa casa ampla sem luxo, no corredor cantavam coleirinhas  pintassilgos, várias espécies de canarinho e outros pássaros do , naquele tempo era natural tê-los nas casas. No quintal grande havia um abacateiro enorme e várias bananeiras. Papai alternadamente plantava milho, cana, amendoim, abóbora, batata doce, chuchu, sempre nos convidava para ver o seu plantio e nós brincávamos de ajudá-lo, assim era também para colher. Mamãe fazia abóbora refogada, ensopado de cambuquira, quibebe, doces; chuchu de muitas receitas; do milho verde saia cural, pamonha, bolo ou caldo, até hoje não encontro aquele sabor. Papai gostava de cozinhar ou assar milho na espiga; batata doce; torrava sementes de abóbora, amendoim e até fez um pilão (temos ainda) para a paçoquinha; descascava os gomos da cana em filetes. Meu Deus, que delícia! O Nilson tinha galinhas e coelhos. Havia cocheira para minha doce cigana que nos deu dois lindos e graciosos potrinhos. Primeiro veio o piloto, ainda bem bebezinho entrávamos escondidos de mamãe pela porta da cozinha para brincarmos no quarto, eu pedia para não fazer barulho no ladrilho, ele obedecia. Cresceu tão mimado que só serviu para brincar comigo. Depois veio o marinheiro coitado, ainda mamava quando foi atropelado e teve que ser sacrificado, como chorei! Ainda tivemos a peralta uma perdigueira fiel escudeira quase uma babá. Quando morreu chorei muito, então ganhei o flay, vira lata charmoso todo preto com uma mancha branca na parte de baixo do pescoço, mais parecia uma gravata borboleta, quando contente mostrava sutilmente os dentes branquinhos, bem próximo de um sorriso. Companheiro das cavalgadas ali pelos arredores. Piti casada com filhos, Wilson e Tunda eram moços já trabalhavam, Ivani e Ivone ficavam no Rio de Janeiro.
Nesta época eu tinha uns quatro ou cinco anos e as amiguinhas gêmeas Raquel e Regina, talvez fôssemos da mesma idade. As meninas me acolheram, dividiam seus brinquedos, passeios, festas e seu mundo bem diferente do meu. Moravam na “fazendinha” casarão com jardim, lago, pomar dentre as frutas manga bourbon, pasto de ovelhas, cavalos e etc. Lembro que ficávamos atentas ao horário dos filmes do CHAPLIN, para nós era comédia e o bom é que não entendíamos nada sobre isso. Aos dez anos já estava bastante distante das garotas, férias eu passava ora na Tia Maria em Itu, ora com Ivani no Rio. Certa vez encontramos os pais das gêmeas em NS de Copacabana. Perguntei por elas, mas não estavam na viagem. Anos depois mudamos de bairro e nunca mais soube da família. Não faz muito tempo minhas irmãs e eu almoçávamos no PapAçorda-Leblon quando chegou Maria Helena. Conversa vai conversa vem, lá pelas tantas a moça disse ter conhecido no colégio, duas irmãs gêmeas da mesma cidade minha e que perderam contato. Chequei nomes de pais, irmão, conclusão: as próprias! Fiquei de procurá-las e o fiz pelas redes sociais e com pessoas conhecidas, mas ainda não as encontrei. Na verdade é só permear minha infância para que as meninas estejam.

 “A infância é medida pelos sons, aromas e cenas antes de surgir a hora sombria da razão.” 
Jonh Betjeman 

  
Não é que a música cheira minha infância! 
Ok! Vamos nas observância: 
Não morávamos em sítio grande. 
Mas, numa gleba curtida bastante. 
Não tínhamos mangueirão. 
Mas, o imponente abacateirão. 
Não tínhamos carro de boi nem bois.
Mas, charrete e égua. Potro? Dois. 
Não tínhamos por perto ribeirão. 
Mas, minas e uma pequena Estação. 
Não precisávamos ir à vila. 
Morávamos numa rente a venda, todavia. 
Não tínhamos grande figueira. 
Mas, a espinhenta e florida paineira. 
Não virou o nosso quintal criadouro bovino
Mas empresa de concreto, assim quis o destino. 
Enfim declarado... Casa descaracterizada
Abacateiro cortado. Estaçãozinha saqueada.
Fato consumado. Lá se foi meu reino encantado!
A antiga casa modificou, original só a paineira restou.
Lugar do verde abacateiro caminhão amarelo ficou. 
Na cocheira da cigana galpão se instalou.
Pasmem, mas até o bairro de nome mudou!
Neste lugar brinquei passeei vivi e histórias guardei.
Era costume vir aqui às tardes esperar pelo papai lembrei.
Eu tinha noventa dias, quando dos braços da Ivone rolei.
Mamãe se apavorou e a tata de longe explicou: tropecei!
Um dia multidão ali se fez. Assustei grudei na Ivani e chorei.
E do PRESIDENTE em campanha, pingente de ouro ganhei.
Aos sete anos pela primeira vez, sozinha de trem andei!
Outros relatos mais, na foto abaixo contarei...
... Papai forte ousado e audaz inovava
sempre comigo nas costas saltava
quando a composição lenta movimentava.
O Lú disse que ainda menino sob escada
bailes aconteciam e ele dançava.
Da Ivone ouvi que por ali a moçada
aos sábados pela estação passeava
e o trem de 08:40 da noite esperava.
Em  prosa e verso na historia acontecida
narrei saudades de minha infância querida
 Mi – Cps, 12/02/2013