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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Os mitos em nossas vidas

Joseph Campbell
O problema é o fato de pessoas não se familiarizarem com a literatura. Elas até se interessam por notícias do dia e problemas práticos do momento. Antigamente havia estímulos na vida interior para dar o real sentido à vida.

As literaturas e a Bíblia costumavam fazer parte da educação das pessoas. Hoje supridas, por uma sociedade industrial, onde se exige disciplina para um mercado de trabalho mecanicista, toda uma tradição de informação mitológica se perdeu e efetivamente nada substituiu.

Informações, provenientes de tempos antigos, sempre deram sustentação à vida humana, construíram civilizações e formaram religiões através dos séculos e têm tudo a ver com os profundos problemas interiores, mistérios e limiares que perpassam pela vida. Se não soubermos interpretá-los ao longo do caminho, o faremos sem base alguma.

Histórias nos ensinam a entrar em contato com o mundo e a adaptarmos à sua realidade. Ha grandes romances excepcionalmente instrutivos, por ser a única maneira de descrevermos verdadeiramente o ser humano através de suas imperfeições.

O ser humano perfeito é desinteressante. É o que Thomas Mann chamava "ironia erótica", o amor por aquilo que você mata com a sua palavra cruel. É por essa razão que algumas pessoas têm dificuldade de amar a Deus, nele não há imperfeição alguma. Você pode sentir reverência, respeito e temor, mas isso não é amor.

Mitos dão pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, daquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente. A mente racional, analítica, o lado esquerdo do cérebro se ocupa do sentido, da razão das coisas.

Qual é o sentido de uma flor? Dizem que um dia perguntaram isso ao Buda, e ele simplesmente colheu uma flor e a deu à pessoa. Apenas um homem compreendera o gesto. Racionalmente, não fazia sentido esse gesto. Ora, mas podemos fazer a mesma pergunta para algo maior: qual é o sentido do universo? A única resposta realmente válida está exatamente ali, no existir.

Qualquer formulação racional nos dá uma idéia linear da coisa, mas mata a beleza da coisa. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de outro tipo de valor e preferimos nos acomodar aos papeis de uma vida burguesa adaptada ao sistema capitalista, deixando para outros tomarem as decisões mais complexas por nós.

Longe da vibração da vida, nos esquecemos do valor genuíno, o prodígio de estar vivo e é o que de fato conta.

Por isso que as grandes questões filosóficas, embora sejam de fundamental importância à todos, seja a preocupação de apenas uma ínfima minoria. A curiosidade infantil é a mesma curiosidade do filósofo.

Bem! Como podemos resgatar nosso grande potencial humano? Lendo mitos, eles ensinam como podemos nos internalizar e entender as suas mensagens e perceber que alguns enredos são universais. Por exemplos:

● A busca dos Cavaleiros do Rei Arthur pelo Graal
Entendemos que seja o caminho espiritual que devemos fazer e que se estende entre pares de opostos, perigo, o bem e o mal, pois não há nada de importante na vida que não exija sacrifícios e algum perigo. A história do Graal diz que a terra está devastada, e só quando ele for reencontrado poderá haver a cura da terra.

E o que caracteriza a terra devastada?
É a terra em que todos vivem uma vida inautêntica, fazendo o que os outros fazem, fazendo o que são mandados fazer, desprovidos de coragem para uma vida própria. Esquecem-se que são seres únicos, cada indivíduo é diferente das demais. A beleza de uma terra rica está exatamente na convivência dos diferentes, não na mistura deles. Se tivermos um lugar ou uma era em que todos se alienam e fazem a mesma coisa, teremos a terra devastada.

"Lutamos para fazer as coisas da nossa maneira, mas quase sempre fazemos aquilo que nos mandam. Novamente é um Admirável Mundo Novo."

O Graal (cálice sagrado) simboliza o receptáculo das realizações das mais altas potencialidades da consciência humana.

O rei que inicialmente cuidava do Graal, por exemplo, era um jovem adorável, mas, por ainda ser muito jovem e cheio de anseios de vida, tomou atitudes que não combinavam com a posição de rei do Graal. Ele partiu do castelo com o grito de guerra "Amor!", próprio da juventude, mas longe da postura de rei do Graal. Enquanto cavalgava, um muçulmano não cristão, surgiu da floresta (a floresta representando o nível desconhecido do nosso psiquismo).

Ambos erguem as lanças e se atiram um contra o outro. A lança do rei Graal mata o pagão, mas a lança do pagão castra o rei Graal - separação que os padres da igreja fizeram entre matéria e espírito já que Jesus sempre se referia ao Reino como um campo em que um semeador saiu a semear; uma rede atirada ao mar; uma festa de núpcias; as aves do céu e os lírios do campo. Está claro que esta divisão pré-cartesiana foi fruto da mentalidade patriarcal dos pais da igreja, não do Cristo, entre dinamismo da vida e o reino do espírito, entre a graça natural e a sobrenatural. Na verdade castrou a natureza. E a mente e a vida européia, têm sido emasculadas por essa separação.

A verdadeira espiritualidade, que resultaria da união entre matéria e espírito, tal como era praticada pelos Druidas, foi morta. O que representava, então, o pagão? Era alguém dos subúrbios do Éden. Era um homem que veio da floresta, ou seja, da natureza mais densa, e na ponta de sua lança estava escrita a palavra "Graal" quer dizer que a natureza aspira ao Graal.

A vida espiritual é o buquê, o perfume, o florescimento e a plenitude da vida humana, e não uma virtude sobrenatural imposta a ela). Desse modo, os impulsos da natureza são sagrados e dão autenticidade à vida. Esse é o sentido do Graal: Natureza e espírito anseiam por se encontrar uma ou outro, numa atitude holística. E o Graal, procurado nestas lendas românticas, é a reunião do que tinha sido divido, o seu encontro simboliza a paz que advém da união. Graal que é encontrado se tornou o símbolo de uma vida autêntica, vivida de acordo com sua própria volição, de acordo com o seu próprio sistema de impulsos, vida que se move entre os pares de opostos, o bem e o mal, a luz e as trevas.

Uma das versões da lenda do Graal começa citando um breve poema: "Todo ato traz bons e maus resultados". Todo ato na vida desencadeia pares de opostos em seus resultados. O melhor que temos há fazer é pender em direção da luz, na direção da harmonia entre estes pares, e que resulta da compaixão pelo sofrimento, que resulta de compreender o outro. É disso que trata o Graal. É isso o que Buda quis dizer por tomar o caminho do meio. É isso o que significa estar crucificado entre o bom e o mal ladrão e ainda orar ao Pai...

Histórias ou contos de fadas são histórias com motivos mitológicos desenhadas especialmente para as crianças. Elas frequentemente falam de uma menininha no limiar da passagem da infância para a descoberta da sexualidade:

Chapeuzinho vermelho
Algo nela exige o percurso pela floresta (nosso lar de origem, onde se esconde nossos instintos), até chegar à casa da vovó (cultura tradicional que devemos respeitar). Chapeuzinho está em fase de transição e a capa vermelha lembra menstruação. A jovem é algo muito atraente para o Lobo. Ainda hoje dizemos que um homem desejoso por uma mulher é um lobo. E ela não evita conversa com o Lobo no meio do caminho, pois ele a atrai também. Na história original, chapeuzinho se transforma numa loba, para que sinta o que deseja.



Bela Adormecida
Ao completar dezesseis anos, hesita diante da crise da passagem da infância à idade adulta e se sente atraída a furar o dedo na roca que a fará adormecer. Enquanto dorme, o príncipe ultrapassa todas as barreiras que ela, sem querer, levantou contra a sua maturação e vem oferecer a ela uma boa razão para aceitar crescer. O beijo mostra que crescer, tem seu lado agradável. Todas aquelas histórias coletadas pelos irmãos Grimm representam a menininha paralisada. Todas aquelas matanças de dragões e travessias de limiares têm a ver com a ultrapassagem da paralisação, com a superação dos demônios internos.

Os rituais das "primitivas" cerimônias de iniciação têm sempre uma base mitológica e se relacionam ou à eliminação do ego infantil quando vem à tona o adulto, ou visa à por a prova o iniciado aos próprios medos e demônios internos. No primeiro caso, a coisa é mais dura para o menino, já que para a menina a passagem se dá naturalmente. Ela se torna mulher quer queira ou não, mas o menino, primeiro, tem de se separar da própria mãe, encontrar energia em si mesmo, e depois seguir em frente.

Odisséia
Telêmaco vive com a mãe. Quando completa vinte anos, Atena vem a ele e diz: "Vá em busca de seu pai". Este é o tema em todas as histórias. Pode ser um pai místico, ou, como na Odisséia, um pai físico.

O tema fundamental nos mitos é e sempre será a da busca espiritual.

Vemos que nas vidas dos grandes Mestres espirituais da Humanidade sempre nascem lendas e mitos ligados a eles, figuras históricas reais.




Guerra nas Estrelas - Filme de George Lucas o vilão Darth Vader 
George Lucas

Representa uma figura arquetípica. Ele é um monstro porque não desenvolveu a própria humanidade. Quando ele retira a sua máscara, o que vemos é um rosto informe, de alguém que não se desenvolveu como indivíduo humano. Ele é um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto. Este é o perigo que hoje enfrentamos como ameaça às nossas vidas. O sistema vai conseguir achatá-lo e negar a sua própria humanidade, ou você conseguirá utilizar-se dele para atingir seus propósitos humanos, relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo compulsivamente. É preciso é aprender a viver no tempo que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. E isso pode ser feito mantendo-se fiel aos próprios ideais, como Luke Skywalker no filme, rejeitando as exigências impessoais com que o sistema pressiona. Ainda que você seja bem sucedido na vida, pense um pouco: Que espécie de vida é essa? Que tipo de sucesso é esse que o obrigou a nunca mais fazer nada do que quis, em toda a sua vida? Vá aonde seu corpo e a sua alma desejam ir. Não deixem que escolham por você. Quando você sentir que encontrou um caminho, que é por ali, então mantenha-se firme no caminho que você escolheu, e não deixe ninguém desviá-lo dele.

Podemos até pensar que isso não acontece em nossas vidas. Errado! Acontece.
Como nos comportar e quais os valores segundo os quais deveríamos viver? Temos potencialidade para correr e salvar uma criança. Está no interior de cada um a capacidade de reconhecer os valores da vida, para além da preservação do corpo e das ocupações do dia-a-dia.

Os mitos estimulam a tomada de consciência da nossa perfeição possível, a plenitude da nossa força, a introdução da luz solar no mundo. Destruir monstros é destruir coisas sombrias. Os mitos os apanham, no fundo de nós. Quando criança os encaramos de um modo. Mais tarde, os mitos nos dizem mais e mais e muito mais. Quem quer que tenha trabalhado seriamente com idéias religiosas ou míticas sabe que, quando crianças, nós as aprendemos num certo nível, mas depois outros níveis se revelam. Os mitos estão muito perto do inconsciente coletivo, e por isso são infinitos na sua revelação.

Base: Joseph Campbell
Fonte: http://www.geocities.com/Vienna/2809/mitos.html