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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Refazer o passado?


Agualusa
Do Livro: O vendedor de Passados - José Eduardo Agualusa


Interessante a história de Félix Ventura um genealogista angolano que inventa passados luxuosos, aos ricos e poderosos de uma sociedade, agora emergente em Angola.

Através de uma narradora um tanto quanto nada convencional deparamo-nos com: crítica política e social; reflexão sobre mitos e realidades; truques da memória; construção do passado e a importância da autonomia de nossa identidade.

" Podem argumentar que todos estamos em constante mutação. Sim, também eu não sou o mesmo de ontem. A única coisa que em mim não muda é o meu passado: a memória do meu passado humano. O Passado costuma ser estável, está sempre lá, belo ou terrível, e lá ficará para sempre. " Agualusa

O livro nos conta, sobre um especialista que reescreve biografia destes novos ricos, que têm dinheiro e poder, mas sem passado consistente!!!! História cheia de metáforas e analogias para o Mundo Natural, povoada de personagens como a osga ou lagartixa, sempre atenta a tudo e ao tempo em que era humana.

"Um nome pode ser uma condenação. Alguns arrastam o nomeado, como as águas lamacentas de um rio após as grandes chuvadas, e, por mais que este resista, impõem-lhe um destino. Outros, pelo contrário, são como máscaras: escondem, iludem. A maioria, evidentemente, não tem poder algum. Recordo sem prazer, sem dor também, o meu nome humano. Não lhe sinto a falta. Não era eu".

Principal personagem é Félix Ventura, albino negro morador de Luanda, capital de Angola, sua profissão é elaborar árvores genealógicas, conforme o desejo de seus clientes. Eulálio é a lagartixa que, na verdade comanda toda a narrativa e vai nos contar como Félix se encarrega de arquitetar o passado dos empresários, políticos e generais, que têm presente e futuro prospero, porem falta-lhes um passado decente.

O albino e a lagartixa, vivem à sombra e compartilham vivências, sonhos e criações. Eulálio busca na sua pretérita vida humana, vestígios de outra reencarnação, a fim de compreender suas emoções e reconhecer os vestígios literários e a sua aguçada percepção. Já Felix, busca realizar no presente o alicerce nos alfarrábios ou calhamaços que lhe serviram de berço.

A casa é um lugar possível e seguro, longe dos campos minados do país, onde são revelados os segredos e fantasias que buscam novos passados. Também lá acontece o resgate da vida de Eulálio, que viveu quase um século na pele de homem sem se sentir humano e que agora se lamenta desses quinze anos no corpo de lagartixa.

Felix está muito bem, leva uma vida razoavelmente confortável até a chegada de um estrangeiro, fotógrafo de guerra, que quer um passado totalmente novo e isso inclui uma identidade angolana e o nome de José Buchmann, uma fajuta e fabulosa árvore genealógica, passa a buscar os personagens a fim de confirmar sua fictícia existência.

Enquanto Félix cria o passado de José Buchmann surpreendemos com possibilidades, coincidências e absurdos. A busca de sua suposta mãe, a aquarelista norte-americana Eva Muller, a narrativa do corredor cheio de espelhos e de sua povoada solidão no apartamento em Nova Iorque, a aquarela encontrada e o anúncio de sua morte na Cidade do Cabo, tudo vai formatando essa nova identidade.

Os trabalhos são misturados aos problemas e sonhos da lagartixa que age com lucidez de gente: “A única coisa que em mim não muda é o meu passado: a memória do meu passado humano. O passado costuma ser estável. Está sempre lá, belo ou terrível, e lá ficará para sempre”.

Da vida humana Eulálio lembra da mãe, que o aconselhava sobre realidade e sonho: "Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolha os livros".

Impressiona os inúmeros seres necessitados de trajetórias maquiadas que legitimem passados memorialista. Num dos casos destaca A vida verdadeira de um combatente. Livro de memórias de um Ministro, que credita um conjunto de fatos notáveis para concretizar o personagem idealizado e contextualizado às suas pretensões futuras.

O livro nos apresenta o mendigo Edmundo Barata dos Reis, comunista assumido, ex-agente e ex-gente nas palavras do próprio, cria novos rumos para a narrativa e também o trama amoroso entre Félix e a mulher que fotografa núvens, Ângela Lúcia.

Assim se dá o desfecho que consagra a narrativa poética de Agualusa.

Mi - Cps, 27/01/11
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