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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Entre quatro paredes

O existencialismo do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) era baseado na morte, algo inevitável que nos impede de concretizarmos nossos planos.

No drama Entre quatro paredes (1944), ele externaliza o desejo e o medo dos personagens. É ai que resgatam suas maldades e angústias que os atormentam. Eles se conhecem pós morte, estão no inferno (não o cristão).

Garcin,letrado, queria ser herói, mas, se acovardou e se apavora com a idéia de suas novas companheiras descubram e isso é impossível;

Inês, funcionária dos correios, homossexual é agressiva, admite suas culpas. Não se desculpa e reconhece o inferno. O ódio a alimenta; sádica, satisfaz com o sofrimento alheio.

Estelle quer conforto e consegue através de um bom casamento, para isso mata o filho que teve com o amante. Este entristece, se mata. Ela tenta redimir-se culpando ao destino. Deseja a paixão para fugir da realidade e usa seu corpo na maioria das vezes.

Cada um responde por um crime. Ficaram confinados eternamente numa sala fechada, sem espelhos, não há necessidade alimento, de dormir, por toda eternidade. Só se vêm através dos olhos do outro; olhos esses que nunca escolheriam para se conviver.

Vaidosa e egoísta, é patético o desespero de Estelle por um espelho. Inês arregala os olhos para que ela possa se enxergar: ela se vê, tão pequenina... Tudo isso os incomoda bastante, pois não conseguem enganar uns aos outros por muito tempo e, aos poucos vão se constrangendo cada vez mais. São colocados cada um, como carrasco do outro, buscando desnudá-los por trás dos olhos.

E acontece a prova de que o ser humano necessita da comunicação, mesmo sabendo que esta será seu inferno.

Inês quer Estelle, Ester quer Garcin, que a ignora por saber quem ela é. Inês joga Estelle contra ele, explicitando as faltas deploráveis de ambos; faltas essas que nenhum quer admitir. Numa convivência insuportável, Estelle, revoltada, tenta matar Inês, mas ela dá boas gargalhadas: já está morta. Garcin tenta, inutilmente, convencê-la de que não é um covarde. Não conseguindo, tenta se vingar amando Estelle diante de Inês.

A consciência de cada um se esbarra no muro da consciência do outro e passam a depender da aceitação dos companheiros, sentimento que mistura ternura e ódio. Está revelado o verdadeiro inferno: a consciência não pode furtar-se a enfrentar outra consciência que a denuncia, por isso: “o inferno são os outros”.

Entre quatro paredes é um questionamento da condição humana. É quando o outro deixa de ser importante e passa a ser negligente e repugnante. Mostra a linha tênue que existe entre o ato bom e o ato mau dos seres humanos. “Os Outros”, revelam de nós a nós mesmos.

Algumas vezes, mesmo sufocados pela indesejada presença do outro, tememos magoar, romper, ferir e, a contra-gosto, os suportamos. Uma vez que a incapacidade de compreender e aceitar as fraquezas humanas torna a convivência realmente um inferno, o angustiante existencialismo ateu sartriano não nos deixa saída. Sem o mínimo de boa-vontade, não há paraíso possível.

Mi, 08/09/10
Fonte: http://is.gd/f1yfI