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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Guimarães Rosa

A terceira margem do rio

Homem, meia-idade deixa familia e amigos para viver em uma canoa no meio de um rio e jamais volta a pisar na terra. Seu único contato com pessoas se dá através de um filho, que lhe deixa comida na margem. Os anos se passam a vida segue seu curso natural, mas o filho de uma certa forma

Loucura ou abandono? É a metáfora da origem, do destino e da travessia, a necessidade de viver águas, ora violentas, ora calmas, com o objetivo de chegar ao lugar almejado. O homem, normal, igual aos pais do lugar, sem nenhuma palavra despede-se da família e vai. Agora mora ou torna-se parte do rio. Isola-se e entra na categoria do diferente chocando o senso comum: permanecia nos espaços do rio, de meio a meio, rio acima, rio abaixo, sempre na canoa e dela não sai mais. Transforma-se em paisagem.

A família se adapta à realidade e cria outras margens para os muitos acontecimentos (nascimentos e mortes) do tempo. A culpa permeia todos, mas fingem não perceber a loucura. Silenciam. O filho acompanha sua trajetória e tenta definir os porquês. Rotinas misteriosas. Dirige-se a margem e propõe ao pai que troque de lugar com ele: tem de haver alguém que ouse desafiar as regras estabelecidas, que proponha o novo, o diferente, o inesperado.

Mas, o homem abandona a margem para ser meio. Por quê o filho abanda a travessia para ser margem?

Paisagens coisificadas no mundo, homens lançados à margem de qualquer possibilidade. Mas a travessia não traz consigo toda a simbologia da existência humana? A escolha não sugere, simultaneamente, a defesa de um espaço e a inserção do insólito, do não habitual?

Em termos filosóficos, isso equivale ao momento de equilíbrio. O fato de o pai, em vez de chegar a algum lugar, preferir continuar na canoa, traduz a sua consciência do aspecto mutável da existência. O contraste entre o modus vivendi do pai e o senso comum é metonimizado pela sua relação com o filho.

O filho que poderia continuar o projeto do pai em virtude de sua covardia fracassa por duas vezes: em menino no momento da partida do pai que não quer levá-lo consigo, então percebe-se amedrontado e desiste; já adulto, quando propõe a substituição e o pai aceita, então foge ao combinado. A coragem é um dos atributos mais valiosos do humano, mas deve o medo ser superado?

O maior contraste entre pai e filho é justamente a ousadia de um e o medo do outro. A vitalidade do pai parece derivar da vida livre que escolheu para si, e torna ainda mais flagrante a mesmice da vida comum do filho, “apenas um demoramento”.

Questionamentos elucidativos
Personagens sem nomes caracterizam o social. Quietude do pai tende ao isolamento. Mãe responsável pelo comando prático da família.
Pessoas que abandonam ideais e ficam a cargo da rotina; outras que enlouquecem e perdem o sentido, e ainda os que apenas preferem constituir calados, tornando-se indiferentes ao mundo. Não há responsabilidades ou objetivos, são apenas margens da margem num rio indiferente
A terceira margem do rio desperta para o mundo do inconsciente, do abstrato.
O pai, ao ir à procura dão rio busca o desconhecido dentro de si mesmo; o isolamento é a única maneira para entender os mistérios da alma, o incompreensível da vida e medo do desconhecido.
Por que evade de toda e qualquer convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do rio. Por que a busca pelo pai? Por quê não fez a troca? Medo do que?

Quem é o desequilibrado?
Pai, filho, os dois ou Nenhum dos dois?

A vida do filho torna-se reclusa e sem sentido, a não ser pelo desejo obstinado de entender os motivos da ausência do pai: “De que era que eu tinha tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência?”

Um ser humano cujos ideais de vida divergem dos padrões aceitos como normais. Atitude obstinada, ao mesmo tempo, afronta e perturba seus familiares e conhecidos, que se vêem obrigados a questionar as razões de seu isolamento e alienação.

Persistir na busca de entendimento da opção do pai chega a desejar substituí-lo. A escolha do isolamento no rio instiga permanentemente o filho, que é levado a questionar o próprio existir humano.

São tantos os rios e margens passíveis de travessia... E demonstra a possibilidade de navegação. O recomeço, a recriação de cada margem de origem e a transformação do destino em um novo porto inicial.

Margeiam os grandes rios, as ações, as diversas etapas de sua vida que demonstram a grandeza dos grandes navegadores

Travessias dão margens aos desbravamentos de nossas possibilidades de lutas e realizações. http://is.gd/d0tiC

ficção rosiana