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segunda-feira, 7 de junho de 2010

I - Cultura ou Barbárie?

Em alguns povos é “cultural” castrar as meninas assim que nascem

O interesse sobre o tema nasce da necessidade percebida em amenizar no futuro o que pode ser crueldade. Infelizmente há determinado, rito em alguma cultura, que deveria ser revistos com mais atenção.

São gestos culturais ou brechas para atos de barbárie?

A UNICEF revelou que 3 milhões de mulheres na África e no Médio Oriente são sujeitas a mutilação genital todos os anos, defendendo que esta prática pode ser eliminada "no espaço de uma geração".

O relatório "Mudar uma convenção social nefasta: a mutilação genital feminina", hoje divulgado, aponta um aumento de dois para três milhões de vítimas por ano em relação a estudos anteriores, o que não reflete um aumento da prática, mas sim a existência de dados mais fiáveis.










Mutilação genital (amputação/excisão), prática tradicional em 28 países da África sub-sariana e no Médio Oriente. Inclui extirpar (ablação) o clitóris, que conseqüentemente leva a dores, hemorragias prolongadas, infecções, infertilidade e morte, realidade impossível de calcular o número de vítimas mortais. Devido à emigração, acaba espalhando a comunidades pelo mundo.

A prática está enraizada, até profissionais da saúde realizam tal procedimento. Conforme a UNICEF a taxa da prática caiu em países como Benim, Burkina-Faso, Etiópia, Iémen ou Quênia. Mesmo assim são pequenos os índices para eliminar a mutilação genital feminina.

Líderes de opinião, chefes tradicionais e líderes religiosos, profissionais de saúde, curandeiros, assistentes sociais e professores têm um papel a desempenhar para "desencorajarem a realização desta prática", salienta o relatório da UNICEF.
Fonte: Dossier, Mutilação genital feminina, 24/11/05.

Contra a excisão
Em fevereiro de 1999, Mariatou Koita, 23 anos, foi a primeira a recorrer à justiça francesa, alegando sofrer muito com isso e não querer que suas filhas passem pelo mesmo processo. Mulheres como ela, oriundas de culturas que acham correto tal procedimento, sofrem, em países como a França, ao se depararem com a realidade onde é crime o que para alguns é sagrado.
    
As indiciadas Hawa Gréou (praticante) e Dienaba Koita (mãe de Mariatou) foram condenadas, respectivamente, a cinco e dois anos de prisão. Mariatou é francesa proveniente da segunda geração da imigração africana. Acredita-se que alguém da primeira geração, por causa das convicções interiores e da pressão coletiva, jamais se atreveria a denunciar.   
    
As que tentam manifestar-se contra são acusadas de desavergonhadas, ocidentalizadas e de fazer com que a identidade cultural africana se perca. A prática da excisão varia de acordo com a cultura de cada povo que ainda a adota. Consiste na mutilação do clitóris (órgão do prazer sexual feminino) e dos pequenos lábios vaginais. A excisão mínima, utilizada no oeste da África e na Indonésia, é a retirada do capuz do clitóris.









 Temos ainda, no leste africano (Djibuti, Etiópia, Somália, Sudão, Egito, Quênia), a infibulação, também chamada de excisão faraônica, considerada a pior de todas, pois, após a amputação do clitóris e dos pequenos lábios, os grandes lábios são secionados, aproximados e suturados com espinhos de acácia, sendo deixada uma minúscula abertura necessária ao escoamento da urina e da menstruação. Esse orifício é mantido aberto por um filete de madeira, que é, em geral, um palito de fósforo.

As pernas devem ficar amarradas durante várias semanas até a total cicatrização. Assim, a vulva desaparece sendo substituída por uma dura cicatriz. Por ocasião do casamento a mulher será “aberta” pelo marido ou por uma “matrona” (mulheres mais experientes designadas a isso). Mais tarde, quando se tem o primeiro filho, essa abertura é aumentada. Algumas vezes, após cada parto, a mulher é novamente infibulada.
     
A operação é sempre feita por mulheres (matronas) em suas próprias casas ou nas casas dos pais da vítima, em troca de presentes pelo trabalho efetuado. A menina é posta no colo de sua mãe que segura suas pernas abertas. A vagina é então mutilada, sem anestesia, por instrumentos como uma lâmina de barbear, uma faca de lâmina flexível ou mesmo tesouras.




São inúmeras as conseqüências. Esse momento abominável pode provocar um choque cardíaco, grandes hemorragias ou sangramentos contínuos que levam à morte, problemas com órgãos vizinhos. Os hematomas e queimações ocasionados pela passagem da urina podem gerar retenção urinária.

Posteriormente costuma-se observar: perturbações menstruais; infecções locais, urinárias e genitais que motivam a esterilidade; partos complicados; repercussões na saúde mental, como ansiedade, angústia, depressão, etc.
    
Há uma luta travada entre o governo francês e os praticantes de tal rito, que na sua origem, significava a separação dos sexos. Na tradição de Mali, o céu fecundou a terra antes de sua excisão dando origem ao chacal, semeador da desordem no mundo. Assim sendo, a criança nascida de uma mulher não excisa vem anunciar a desordem e o azar.

A mortalidade ligada a essa prática atinge em torno de 600.000 mulheres no mundo. Na França, mais de 20.000 mulheres por ano são mutiladas. Em 1982, Awa Thiam criou a CAMS-F – Comissão de Abolição de Mutilações Sexuais da França, tendo como eixo o aspecto jurídico do considerado crime.

O tema, entre vários outros, foi discutido no 15º Congresso Mundial de Sexologia, em Paris.

* Celuy Roberta Hundzinski Damasio - Docente - Língua Francesa - Instituto de Línguas (UEM).
Fonte: Rev. Espaço Acadêmico, ano 1, n. 3, ago/2001, ISSN 1519.6186.