Páginas

sábado, 21 de agosto de 2010

Geraldo Vandré

Mudou-se de João Pessoa para o Rio de Janeiro em 1951, ingressou na Faculdade Nacional de Direito, hoje UERJ, formado em 1961. Militante estudantil, participou ativamente do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1968, com o AI-5 exilou-se. Após dias escondido na fazenda da viúva de Guimarães Rosa, falecido no ano anterior, o compositor foi para o Chile e, de lá, para a França. Voltou ao Brasil em 1973. Conforme algumas fontes, ainda compõe.

Contexto Social com uma de suas músicas: Disparada 
de: Geraldo Vandré e Theo de Barros interpretada por Jair Rodrigues

Prepare o seu coração Prás coisas Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão Eu venho lá do sertão Eu venho lá do sertão E posso não lhe agradar...

Aprendi a dizer não Ver a morte sem chorar E a morte, o destino, tudo A morte e o destino, tudo Estava "fora do lugar” ( Ditadura Militar);
Eu vivo prá consertar...” [viver para consertar – ser “pau para toda obra”, alguém com alguma consciência das mazelas se dispõe a mudar o regime].

Na “boiada” já fui boi (boiada = metáfora para pessoas, população ou povo)
Mas um dia me “montei” (montar = assumir a condição, marginal, de Ser-boi no rebanho que compõe o tecido social)
Não por um motivo meu Ou de quem comigo houvesse Que qualquer querer tivesse Porém por necessidade Do dono de uma boiada Cujo vaqueiro morreu...

Boiadeiro muito tempo Laço firme e braço forte Muito gado, muita gente Pela vida segurei Seguia como num sonho E boiadeiro era um rei... [o boiadeiro vira rei quando sai da sua condição de “Ser-boi”, tomando as rédeas dos demais (no comando sobre os outros) a pedido de um fazendeiro assumi novas responsabilidades, passa a adquirir uma nova posição dentro da boiada, vindo a ter, atitude similar a do fazendeiro (se sente um rei)].

Mas o mundo foi rodando Nas patas do meu cavalo E nos sonhos Que fui sonhando As visões se clareando As visões se clareando Até que um dia acordei... [tomada de consciência, que de rei volta a se reconhecer como Ser-boi. E o acordar mostra isso perfeitamente (eu acordei para a realidade do mundo e para a minha realidade – a boiada e o Ser-boi].

Então não pude seguir Valente em lugar tenente E dono de gado e gente Porque gado a gente marca Tange, ferra, engorda e mata Mas com gente é diferente... [ruptura total com a ordem estabelecida! O boiadeiro, cônscio de sua condição existencial (dentro de uma sociedade de desprovidos e desigualdades), afirma que não pode mais ser um rei, aquilo ali não era ele. E a justificativa é simples e impactante: gente é gente, é ser humano (ele clama por sua humanidade, por sua condição de sujeito) e não gado (que a gente tange, ferra, engorda e mata – como o fazendeiro faz com seus trabalhadores, ou em sentido macro-cósmico como a burguesia global faz com a massa de trabalhadores)].

Se você não concordar Não posso me desculpar Não canto prá enganar Vou pegar minha viola Vou deixar você de lado Vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi Boiadeiro já fui rei Não por mim nem por ninguém Que junto comigo houvesse Que quisesse ou que pudesse Por qualquer coisa de seu Por qualquer coisa de seu Querer ir mais longe Do que eu...

Mas o mundo foi rodando Nas patas do meu cavalo E já que um dia montei Agora sou cavaleiro Laço firme e braço forte Num reino que não tem rei [o boiadeiro chega a uma conclusão final – de que ele só será forte, verdadeiramente forte, se estiver em um reino onde não há mais um rei (anarquia)].

Anarquia significa ausência de coerção (ato de induzir, pressionar ou compelir alguém a fazer algo pela força, intimidação ou ameaça) e não a ausência de ordem. A noção equivocada de que anarquia é sinônimo de caos se popularizou entre o fim do século XIX e o início do século XX, através dos meios de comunicação e de propaganda patronais, mantidos por instituições políticas e religiosas.

Jovens ousavam nas letras inteligentíssimas. Burlavam a censura de maneira brilhante. No vídeo podemos notar a quantidade de policial infiltrado na platéia para qualquer eventual deslize nas composições das músicas, que na maioria das vezes, a censura não percebia. Por outro lado censurava a música por suposição, mesmo sem entender.

Mi – Cps, 21/08/10

Fonte ; http://is.gd/euCRx