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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Papai e eu

Éramos assim

Papai já estava muito debilitado fisicamente
e ainda, a diabetes retirou toda sua visão e
lhe travou as pernas.

Todas as noites por volta das 22hs ele tomava seu desjejum conforme orientação médica.

Como era de costume eu entrava no meu quarto, que era ao lado do dele, logo após o jantar, enquanto ele descansava, eu arrumava alguma coisa, via televisão até este horário (porque na manhã seguinte saía as 06hs para o trabalho). Depois ia até a cozinha pegava o lanchinho, servia e me deitava do lado dele, ficávamos conversando mais um pouco e logo dormíamos.

Mas naquela noite senti medo, um calafrio, a impressão era que alguém me olhava. Mesmo assim fui correndo peguei a garrafa térmica (eu já preparava o leite, café, adoçante, a caneca cinza dele, um lanchinho especial, com pão queijo e a garrafinha de água para os remédios, tudo arrumadinho na bandeja que ficava sobre a pia) voltei também correndo e quando entrei no quarto, papai me olhou sorrindo e perguntou baixinho:
- Quem são?
- Como? – perguntei. Ele se calou. Servi o leite.
- E o pão, cadê o pão, não tem? – ele me disse. Eu havia esquecido na cozinha.
- Não tem. – respondi - só em ter que voltar preferi mentir. Imediatamente fui tomada por um terrível remorso. Desmenti.
- Esqueci papai vou buscá-lo. – confessei já muito arrependida, pois o papai sabia que jamais deixaríamos faltar. Fazia parte de sua dieta.

E ele me acompanhou com os olhos, um leve e costumeiro sorriso, parecendo ver algo ao meu lado, mesmo porque ele já estava completamente cego. Peguei o pratinho onde estava o pão enrolado no guardanapo e voltei ao quarto.

Dei-lhe o lanche, logo depois os remédio. Voltei a cozinha, deixei tudo dentro da pia, ainda estava com a mesma sensação, entrei no quarto, deitei-me ao seu lado, bem abraçadinha com ele e muito arrependida de ter mentido.

Pedi perdão. Papai não merecia minha atitude. Desde que nasci, ele sempre esteve ao meu lado cheio de atenção, mimos, me dando tudo na boca ( no verdadeiro sentido da palavra), até o último instante que ele pode. Era igualmente com os meus irmão, mas como eu que morava com ele. A minha porção era sem dúvida a maior. Todos os dias incansavelmente ele tinha um amor acrescentaito, cheio de docilidades, sutilezas, delicadezas e muito mais.

Fiquei ali quietinha sem me mexer. Depois de algum tempo ele me falou:
- Mi, vou te contar uma coisa, não é pra ter medo das coisa do Senhor. – Ele sabia que alguma coisa estava acontecendo comigo, me conhecia melhor que eu mesma.
- Conte-me Papai! – eu disse - do jeito que estou aqui, bem coladinha com você, não tenho medo de nada.

Daí ele me contou, que viu duas meninas parecidas com estas da foto entrarem comigo no quarto quando eu trouxe o leite, me seguiram na cozinha quando eu voltei para pegar o lanche e quando falei que não tinha pão elas me desmentiram dizendo que tinha pão sim.

Penso que meu arrependimento deu-se no momento em que elas estavam me repreenderam. Foi a maneira de Deus usou para me lembrar da aliança que tenho com Ele, quando eu erro ele me corrige e eu fico feliz, porque Ele jamais esquece de me devolver ao caminho certo. http://is.gd/bFbn8
Mi - Cps, 11/10/93